dimanche 13 mars 2016

O “OURO NEGRO” ESTÁ AO PREÇO DA CHUVA


Sabe qual é o custo de um litro de petróleo?

Um barril de petróleo contém, mais coisa menos coisa, 159 litros. Se considerarmos o preço atual do barril de petróleo, de 38 dólares em Nova Iorque, então, o custo por litro é de apenas 24 cêntimos.

A água engarrafada é mais cara do que o petróleo, pelo que a este preço, a classificação do petróleo como “ouro negro” parece atualmente desajustada! Está barato mas nem sempre foi assim.

Entre 2000 e 2008 o preço do petróleo disparou de 25 para 150 dólares por barril, impulsionado pelo aumento da procura em várias economias, com destaque para a chinesa, e pelo corte de produção decidido pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP). Depois, na sequência da recessão global provocada pela crise financeira iniciada com a falência do banco de investimento Lehman Brothers, o preço desceu para 40 dólares por barril.


Em 2009, com a recuperação económica, o preço do petróleo regressou para os 100 dólares.Até 2013 o preço andou sempre acima dessa barreira, até que em 2014 iniciou uma queda livre até aos dias de hoje.

Esta é a história sumária da evolução do preço do petróleo nos últimos anos, a mais importante matéria-prima do nosso planeta. Para ilustrar a forte queda do preço do petróleo desde 2014, apresentamos-lhe no gráfico abaixo a evolução de um instrumento financeiro que replica o preço do petróleo, o certificado sobre o Brent, do qual falaremos no segundo texto desta newsletter, como forma de investir no petróleo:

Millennium bcp sobre o Contrato Futuro do ICE Brent Crude
Fonte: Millennium bcp, Bloomberg

Um pouco mais de informação sobre o petróleo
Nas notícias publicadas sobre o preço do petróleo, é frequente encontrarmos a informação de que o West Texas Intermediate (WTI) se aplica sobretudo ao mercado norte-americano, e o Brent à Europa. Mas há muitas outras diferenças entre os dois tipos de petróleo, que procuramos sintetizar na tabela seguinte.

Características do contrato

WTI
Brent
Tipo de petróleo subjacente

 Baixa viscosidade e teor de enxofre (0,24%), o que o leva a ser denominado de light (leve) e sweet (doce), sendo de mais fácil refinação do que o petróleo do Médio Oriente
 De qualidade ligeiramente inferior ao WTI, apresentando um teor de enxofre de 0,37%, embora seja igualmente classificado como light e sweet

Localização do petróleo

 Entrega em Cushing, pequena localidade do Oklahoma (EUA), onde são armazenados stocks de petróleo proveniente do Golfo do México
 Petróleo proveniente dos campos do Mar do Norte: Brent, Forties, Oseberg e Ekofisk (BFOE)
Abrangência geográfica do consumo
 É consumido essencialmente nos EUA, não sendo exportado

 É consumido principalmente na Europa, mas o seu preço serve de referência a cerca de 70% das entregas físicas em todo o mundo, com destaque para a Ásia, dado que é facilmente transportável por via marítima

Negociação em mercado de futuros

 Negociado na New York Mercantile Exchange (NYMEX), em Nova Iorque, desde 1983

 Negociado na International Petroleum Exchange (actual ICE Futures Europe), em Londres, desde 1988

Liquidez do contrato de futuros

 É o contrato de matérias-primas mais negociado em todo o mundo, chegando a ter 1,5 milhões de contratos ativos a cada momento

 Embora esteja a recuperar terreno nos últimos anos, continua a ser menos negociado do que o WTI
Tradicionalmente o preço do WTI e do Brent andam lado a lado, com o WTI a negociar a prémio sobre o Brent devido à sua qualidade mais elevada, não sendo no entanto atualmente o caso, pois sucede precisamente o inverso.

Porque é que os preços estão tão baixos?

Não que a resposta seja linear, mas como para qualquer outro bem transacionável livremente, o preço é definido pelo equilíbrio entre a procura e a oferta. Por isso, a debilidade do preço só pode advir da fraqueza da procura, do excesso da oferta, ou claro, de ambas em simultâneo.

Decidimos por isso procurar dados que nos permitissem aferir da evolução da procura e da oferta. No gráfico abaixo apresentamos-lhe a evolução do consumo e produção de petróleo a nível mundial nos últimos anos.

logo: Consumo vs Produção de petróleo a nível mundial
Fonte: EIA– U.S. Energy Information Administration
Infelizmente os dados de 2015 ainda não estão disponíveis, no entanto acreditamos que a tendência de 2014 se manteve, com a produção de petróleo a superar o consumo, e consequentemente, a pressionar a queda do preço do petróleo.

O tema não está tanto do lado da procura, que tem vindo a aumentar consistentemente ao longo dos últimos anos, em linha com o crescimento económico mundial, mas sim de um aumento da oferta, com um incremento da produção muito significativo.

Analisando em detalhe os dados da produção de petróleo por país, podemos confirmar que o grande aumento da produção se deu nos Estados Unidos. Se em 2010 este país produzia cerca de 9,7 milhões de barris de petróleo diariamente, esse número aumentou em 2014 para os 14 milhões de barris, correspondente a uma variação positiva próxima dos 45%. Esta forte subida da produção foi sustentada em particular no shale oil, uma forma de extração de petróleo inovadora que permitiu a um país industrializado como os Estados Unidos, fortemente dependente do consumo de petróleo, tornar-se praticamente autossuficiente. Já este ano, com o levantamento das sanções económicas ao Irão que permitirão a este país exportar novamente petróleo, o preço do barril de petróleo quebrou durante alguns dias a barreira dos 30 dólares, atingindo mínimos de 12 anos, pressionado novamente por um aumento da oferta no mercado.

Os países produtores de petróleo e o dilema do prisioneiro
Naturalmente que preços do petróleo tão deprimidos não favorecem os países exportadores de petróleo, que assim vêm diminuídas as suas receitas. A solução está no entanto nas suas próprias mãos. Se cada um dos principais países reduzir a sua produção, certamente que os preços voltam a subir e todos ficam melhor, mas para já não parece haver consenso para que tal seja feito. Na ausência de consenso ninguém quer dar o primeiro passo, sujeitando-se a ver reduzidas as suas receitas por força da quebra da produção sem que esta seja compensada com a subida do preço do petróleo, que só poderia suceder se todos decidissem cortar a sua produção.

Adicionalmente parece também haver para já o interesse de alguns dos maiores produtores de petróleo em manter o preço baixo. Na verdade o custo de exploração do petróleo flutua bastante de geografia para geografia. Se na Arábia Saudita o custo de exploração do petróleo não deverá ultrapassar os 20 dólares por barril, na Rússia, Estados Unidos, Brasil ou México o custo é bem mais alto, podendo variar entre os 40 e os 70 dólares por barril. Tal significa que aos preços atuais muita da exploração de petróleo é feita com prejuízo, o que não será sustentável no longo prazo. Por isso, a manterem-se os preços atuais por um período longo de tempo, a oferta diminuirá por força da extinção de explorações, e em última instância, das respetivas empresas exploradoras. É a lei natural da concorrência.

Os mercados acionistas e o preço do petróleo
Sendo o petróleo a principal matéria-prima do nosso planeta, não há empresa que de alguma forma não tenha dependência do petróleo, maior ou menor, consoante o setor de atividade. Da mesma forma que todos nós enquanto consumidores de gasolina ou gasóleo apreciamos amplamente a queda do preço destes combustíveis na hora de atestar o depósito do carro, todas as empresas beneficiam da queda do preço do petróleo. Esse efeito positivo fez-se sentir nos mercados de ações no início da queda do preço do petróleo em junho de 2014, tal como durante grande parte do ano de 2015.

No entanto, desde o final do ano passado e início deste ano que a correlação entre a queda do petróleo e a queda dos mercados tem sido grande. Um movimento menos intuitivo dado o racional exposto no parágrafo anterior que aponta a queda do preço de petróleo como algo benéfico. 

Aparentemente tal se deve ao facto do preço do petróleo a 30 dólares estar demasiado baixo ao ponto de colocar em risco o setor da energia. A falência massiva de empresas no setor teria efeitos devastadores na economia. Acresce que preços do petróleo demasiado baixos colocam também em risco países cuja economia depende fortemente da produção de petróleo, traduzindo-se na prática numa redução do seu poder de compra e consequentemente da procura de bens e serviços. Tal facto teria como consequência o abrandamento do crescimento económico mundial. Desta forma se compreende que nos últimos tempos, as quedas do preço do petróleo tenham sido uma alavanca para a queda dos mercados acionistas.

Em conclusão....

Enquanto não forem desenvolvidas energias alternativas capazes de substituir o petróleo em escala e em custo, o reinado do “ouro negro” continuará a prevalecer.

A que preços?

Bom, o preço atual dificilmente se poderá manter no longo prazo, pois está baixo demais para ser sustentável na indústria energética tal como a conhecemos hoje. Seja por efeito da redução da oferta pela via administrativa, com os principais países produtores de petróleo a chegar a um acordo sobre cortes na produção, seja pela via natural da eliminação de produtores com custos de exploração mais elevados, a oferta diminuirá para se ajustar à procura, fazendo com que o preço do petróleo suba. Tal apenas não sucederá se a procura aumentar de forma a corresponder aos atuais níveis de produção, no entanto, não acreditamos que tal venha a suceder.

Em qualquer dos cenários, e ainda que no curto prazo o preço do petróleo possa estar sujeito a pressões adicionais, no longo prazo, é razoável admitir que o preço de equilíbrio se situe acima dos atuais níveis.


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